Nós nunca mentimos. Quando mentimos, é para o bem de vocês. Verdade. Começa na infância, quando a gente diz pra mãe que está sentindo uma coisa estranha, bem aqui, e não pode ir à aula sob pena de morrer no caminho. Se fôssemos sinceros e disséssemos que não tínhamos feito a lição de casa e por isso não podíamos enfrentar a professora, a mãe teria uma grande decepção. Assim, lhe dávamos a alegria de se preocupar conosco, que é a coisa que mãe mais gosta, e a poupávamos de descobrir nossa falta de caráter. Melhor um doente do que um vagabundo. E se ela não acreditasse, e nos mandasse ir à escola de qualquer jeito, ainda tínhamos um trunfo sentimental. “então vou ter que inventar uma história para a professora”, querendo dizer vou ter que mentir para outra mulher como se ela fosse você. “Está bem, fica em casa. Mas estudando!” E ficávamos em casa, fazendo tudo menos estudar, dando-lhe todas as razões para dizer que não nos agüentava mai, que é outra coisa que mãe também adora.
A primeira namorada. Mentíamos para preservar o nosso orgulho, certo?
-Não, não, eu estava passando por acaso. Você acha que eu fico rondando a sua casa o dia inteiro, é?
Mas o que vocês pensariam se nos disséssemos: “Sim, sim, não posso ficar longe de você, penso em você o dia inteiro, aqueles telefonemas que você atende e ninguém fala, sou eu! Confesso, sou eu! Vamos nos casar! Eu sei que só tenho 12 anos e você tem 11, mas temos que nos casar. Senão eu morro! SENÃO EU MORRO!” ? Vocês se assustariam, claro. A paixão nessa idade pode ser um sumidouro. Mentíamos para nos proteger do sumidouro.
Outras namoradas. Outras mentiras.
-Eu só quero ver, juro! Não vou tocar.
Vocês não queriam ser tocadas, mas ao mesmo tempo se decepcionariam se a gente nem tentasse. Nem desse a vocês a oportunidade de afastar a nossa mão, indignadas. Ou de descobrir como era ser tocada.
Namorar – pelo menos no meu tempo, a Renascença – era uma lenta conquista de territórios hostis, como a dos desbravadores do Novo Mundo. Avançávamos no desconhecido, centímetro a centímetro, mentira a mentira.
-Pode, mas só até aqui.
-Está bem. Não passo daí.
-Jura?
-Juro!
Você passou! Você mentiu!
-Droga, eu me distraí!!
Dávamos a vocês todos os álibis, todas as oportunidades para dizer depois que tudo acontecera devido a nossa calhordice e não à vontade que vocês também sentiam. Não mentíamos para vocês, mentíamos POR VOCÊS. Os verdadeiros cavalheiros eram os que enganavam as mulheres. Os calhordas diziam, abjetamente, a verdade. Não faziam o que juravam que não iam fazer transferindo toda a iniciativa a vocês. É ou não é?
Mas isso tudo mudou, desgraçadamente bem quando eu deixei para trás as tentações do mundo e entrei para uma ordem (a dos monógamos). A revolução sexual, que um dia ainda vai ser comemorada como a Revolução Francesa, com a invenção da pílula anticoncepcional correspondendo à queda da Bastilha e o fim dos sutiãs ao fim da monarquia – e o termo sans culotte, claro, adquirindo novo significado -, tornou o relacionamento entre homens e mulheres mais fraco e desobrigou os homens de mentir para as mulheres para salvar a honra delas. Aliás, dizem que a coisa virou de tal maneira que hoje a mentira mais comum dita pelos homens é “ Essa noite não, querida, estou com dor de cabeça.” Não sei. Mas continuamos mentindo a vocês para o bem de vocês.
“Rmmwlmnswl” não significa que nós estamos fingindo dormir com medo de ir ver que barulho é aquele na sala. Significa que estamos fingindo dormir para que você vá ver com seus próprios olhos que não é nada e pare com esses temores ridículos, e se for mesmo um ladrão nos avise a tempo de pular pela janela.
“Fiquei fazendo companhia ao Almeidinha, coitado, ele ainda não se refez” significa que a nova gata do Almeidinha só saía com ele se ele conseguisse um par para a prima dela, e nós fazemos tudo por um amigo, mas não queremos estragar a ilusão de vocês de que a separação deixou o Almeidinha arrasado, como ele merecia.
“Está quase igual ao da mamãe” significa que não chega aos pés do que a mamãe fazia, ou então que está muito melhor, mas o importante é vocês não se sentirem nem tão ressentidas que decidam atirar o doce na nossa cabeça e depois se arrepndam, nem tão confiantes que parem de tentar ser iguais à mammãe, e no dia que a gente disser que está sentindo uma coisa estranha bem aqui, só para não ir trabalhar e ficar vendo programa da Xuxa, vocês não digam “comigo essa não pega” e nos botem para a rua.
"Introdução" do livro "As mentiras que os homens contam", de Luis Fernando Veríssimo. Qualquer diferença, a culpa é minha! Tive o trabalho de digitar tudo isso para por aqui.
9 comentários:
Vinicius , você é um cara de pau :P
Mas eu gostei , e ri também .
Vocês , homens realmente não valem nada . E tá , eu vou fingir que acredito que vocês mentem pro nosso bem . UAHuhaUAHah
UM BEIJO ! :)
Aaaaaaaah muiiito bom o texto Viih, adoreei! ((:
a mentira faz parte da nossa vida...so um pokinho mas faz rsrsrrs
"Droga me destrai"
skospkso pockei...
sobre o layout !
Nem deu tanto trabalho assim...
Um texto maravilhososo , com um humor sutil que faz você querer desbravar o texto mais e mais , inteligente e engraçado.
http://wcombr.zip.net/
Muito bem bolado.. + falta coisa ainda ae..
a mentira do futebol por exemplo
ja faltei mt festa de aniversario, ja faltei a igreja dizendo q tinha q fazer tal treco... + na vdd era pra ir ver o flamengo EUHAUEHAEUAHE.
Tbm confesso ja faltei varias vezes ao trabalho falando q ia ao dentista, como o dentista é amigo meu fazia uns atestados maneirinhos.
e com a folga ia jogar bola ou pro shopping com alguma garota.
+ doq seria a verdade da vida sem a mentira?
Na moral , esse livro só mostra o quanto cara de pau vocês homens são ! UAHAUHAUHAUAHA
Tsc tsc ..
Mas me tiro MUITAS risadas cara ! *-*
Beiijoos vi =)
Muitoo cara de pau!!
Nesse exato momento minha mãe está me chamando de louca só porque eu tô aqui, rachando de rir em frente ao pc..
Gostei bastante /não é mentira/ e é pro seu bem. Viu!! a gente consegue fazer o bem sem mentir!1
Bejunda!
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